Agência Diap, 28 de fevereiro
de 2008
Apoio às Convenções 151 e
158 da OIT
Numa atitude ousada e até surpreendente, o presidente
Lula anunciou na semana passada que enviará ao Congresso Nacional o pedido de
ratificação imediata das Convenções 151 e 158 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT).
A primeira institui a negociação coletiva no setor
público e a segunda proíbe as demissões imotivadas na iniciativa privada. Caso
sejam aprovadas, estas duas medidas representarão enorme avanço nas relações
trabalhistas no país, marcadas até hoje pela vigência da ditadura das empresas.
O governo Lula lançou a bola em campo e os times adversários, capital e trabalho, já se preparam para um embate que promete ser duro
e educativo.
A ira dos empresários
O anúncio destapou o ódio do capital. Num artigo no
jornal Valor, sugestivamente intitulado ''os empresários reagem ao avanço sindical'', dirigentes de poderosas entidades patronais
voltaram a repetir a cínica choradeira sobre os altos custos da força de
trabalho no Brasil. ''Essas normas são um retrocesso e
prejudicam o ambiente de negócios'', chiou Armando Monteiro Neto, presidente da
Confederação Nacional das Indústrias (CNI). Para ele, o presidente Lula, que
teve ''bom senso na macroeconomia'', sofreu uma ''recaída'' e voltou às suas
origens sindicais, propondo medidas que elevam os custos do trabalho e
prejudicam a competitividade das empresas
capitalistas.
Ainda mais irado, o consultor de empresa José Pastore,
que coordenou o programa trabalhista do tucano Geraldo Alckmin, garantiu que o
presidente Lula deseja impor uma ''república sindical'' no país – relembrando o
velho bordão dos golpistas de 1964. Entre outras ''provas'', ele criticou a
medida provisória que legaliza as centrais, a recente decisão do Judiciário de
ampliar o poder de substituição processual dos sindicatos e a lei 11.430 que
inverte o ônus da prova no caso de dano à saúde do trabalhador. Para ele, estas
e outras medidas são ''uma bomba atômica'' que fomentam
a ação sindical e expressam o ''socialismo legalista'' (!) que o governo Lula
quer bancar no país.
Deixando de lado as neuras da
direita nativa, o texto do Valor revela que a nata empresarial está preocupada
com o fantasma do avanço da influência sindical no parlamento e no governo. A
CNI inclusive estaria dando ''acompanhamento especial'' a projetos que afetariam
a lucratividade das empresas. ''Seus autores são parlamentares de três partidos
(PT, PCdoB e PDT) e há também
o projeto do Executivo que estabelece a política permanente de valorização do
salário mínimo''. De maneira arrogante e elitista, o presidente da Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro, Eduardo Eugenio Gouvêa, afirma que estes e outros
projetos visam ''valorizar a incompetência''.
Uma injustiça histórica
A imediata gritaria dos empresários indica que a batalha
pela ratificação das convenções não será fácil. Ela também confirma o
reacionarismo dos patrões, talvez devido às origens como donos de escravo. As
normas da OIT, um fórum tripartite, não têm nada de ''socialismo legalista''.
Apenas disciplinam as relações de trabalho, visando inibir o poder ditatorial
das empresas. No caso da Convenção 151, ela corrige uma antiga injustiça imposta
pelas forças conservadoras. Até hoje os servidores públicos nunca tiveram o
direito à negociação coletiva, sendo vítimas da truculência de vários governos,
que sequer recebem os sindicatos do setor para discutir as suas
demandas.
Para Jucélia Vargas, dirigente
da Federação dos Servidores de Santa Catarina, a ratificação desta convenção
representaria um ''marco histórico'' na organização dos trabalhadores. Os
artigos 4 e 5 garantem o direito à sindicalização,
fixando as normas de proteção contra práticas discriminação anti-sindical. Já o
artigo 8º define mecanismos para solução de conflitos via negociação coletiva.
''Ela traz algumas garantias para a concretização da democracia nas relações de
trabalho no setor público e representa um novo momento para o sindicalismo que
defende os servidores públicos''. Prevendo a reação da direita, Jucélia alerta: ''O governo federal fez a sua parte. Façamos
a nossa, com unidade e mobilização, para que possamos ser vitoriosos em mais
esta etapa da batalha''.
O fim da demissão imotivada
Já a Convenção 158 da OIT mexe diretamente com os
interesses do capital. Segundo Henrique Júdice, num
minucioso artigo no jornal Correio da Cidadania, ''ela proíbe que o trabalhador
seja demitido sem motivo razoável relacionado à sua conduta, à sua capacidade
profissional ou às necessidades estruturais da empresa. Ela é mais flexível do
que o antigo regime de indenização e estabilidade no emprego instituído por
Getúlio Vargas e abolido pelo regime de 64, mas é um enorme avanço comparado à
atual legislação brasileira, pelo qual o trabalhador pode ser demitido por
qualquer motivo ou sem motivo algum''.
''Além de proibir a demissão injustificada, ela
estabelece algumas causas que não podem ser consideradas justas: atuação
sindical, cor, religião, opiniões, gravidez ou situação familiar. Ela proíbe
também que o trabalhador seja demitido por ter entrado na justiça contra a
empresa ou por faltar ao serviço quando doente... Assegura que todo empregado
demitido terá direito de recorrer à justiça contra a demissão. Se a empresa não
provar que a causa apontada ocorreu e que é justa, será condenada a
reintegrá-lo. No caso de demissão em massa (''corte de pessoal'', na linguagem
dos gerentes) por alegada necessidade econômica da empresa, a Justiça poderá
examinar se essa necessidade realmente existe. Se concluir que não, poderá,
igualmente, reintegrar os
demitidos''.
As mentiras da mídia
patronal
Escorada na
manipulação da mídia, a elite empresarial difunde a idéia de que a Convenção 158
é uma aberração jurídica e que prejudicará o desenvolvimento do país. Não
informa, por exemplo, que esta norma da OIT já foi ratificada por 180 países e
que nenhum deles faliu por este motivo. Ela também não confessa que a demissão
imotivada é um perverso mecanismo para estimular a rotatividade no emprego e,
como efeito, rebaixar os salários – o que prejudica o crescimento da renda, do
consumo e o próprio desenvolvimento nacional. No ano passado, 14,3 milhões de
trabalhadores foram contratados no país, mas, em compensação, 12,7 milhões foram
demitidos. Trabalhadores novos e com salários mais baixos substituíram os mais
antigos e com renda maior.
Além de
estimular a rotatividade no emprego e de reduzir o poder aquisitivo dos
assalariados, a demissão imotivada é um poderoso instrumento de inibição da
organização de classe. Muitos trabalhadores são dispensados porque se
sindicalizaram ou participaram de uma assembléia. Ela é a expressão cabal da
''ditadura nas fábricas'', onde a democracia nunca existiu. O grande medo dos
empresários é que a ratificação da Convenção 158 encoraje a ação coletiva e a
participação dos trabalhadores nos sindicatos. Batendo recordes de produtividade
e lucratividade, o capital teme ser afetado no seu paraíso de opulência e ser
obrigado a socializar um pouco dos lucros.
Hora da onça beber
água!
Dado ao seu
alto poder inflamável, a convenção 158 já foi motivo de outras escaramuças no
país. Em 1992, ela foi assinada pelo presidente Itamar Franco e ratificada no
Congresso Nacional. No entanto, não entrou em vigor porque o Poder Judiciário –
fiel aliado do capital – declarou que ela era incompatível em virtude de uma
manobra jurídica; os tratados internacionais têm, no Brasil, o status de lei
ordinária, ao passo que a Constituição prevê que a proteção ao trabalhador
contra demissão imotivada seria regulada em lei complementar. Na seqüência, para
evitar dor de cabeça e servir aos seus patrões, o presidente FHC simplesmente
revogou a adesão do país à Convenção.
Agora, o
presidente Lula, retomando suas origens operárias, coloca novamente a bola
(*) Altamiro Borges, Miro é
jornalista, secretário de Comunicação do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro
"As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª
edição)