No Cadin, Sanepar fica impedida de receber verbas públicas.
Diretor jurídico da companhia diz que inscrição no cadastro
de inadimplentes do governo federal é indevida
Uma multa de R$ 1,2 milhão aplicada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e de Recursos Renováveis (Ibama) em 2001 colocou o nome
da Sanepar no cadastro de inadimplentes do governo federal,
o Cadin. Isso significa que, enquanto a empresa estiver
registrada nesse banco de dados, não poderá receber verbas
públicas nem ser beneficiada por programas do governo.
O Ibama aplicou a multa após constatar falhas na conclusão
do estudo de impacto ambiental para exploração do aqüífero
Karst, em Almirante Tamandaré, região metropolitana de
Curitiba.
Esta é a segunda vez que o instituto
inscreve a Sanepar no Cadin pela mesma razão. A primeira
foi no início de agosto de 2007. No fim do mesmo mês, a
Sanepar conseguiu “limpar o nome” com uma decisão favorável
do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. A inscrição
da companhia de saneamento no Cadin ficou suspensa até
o início de maio, quando a 3ª Turma do TRF decidiu que,
enquanto não fosse depositado em juízo o valor da multa,
o nome da empresa deveria voltar ao banco de dados.
Baseada nesse resultado, a Sanepar
entrou com um pedido de liminar para que seu nome não fosse
reinscrito no Cadin, tendo em vista que já havia nomeado
à penhora um imóvel em Umuarama de valor superior ao da
multa. Como o bem não foi formalmente penhorado, o juiz
federal Nicolau Konkel Junior negou a liminar.
Para o diretor jurídico da Sanepar,
Cezar Eduardo Ziliotto, essa inscrição é indevida. “No
meu entendimento, houve descumprimento de ordem judicial.
Vamos recorrer ao juízo e entrar com as medidas apropriadas
para desfazer esse equívoco. Vamos ver se o Judiciário
concorda com o nosso entendimento. Aliás, se for confirmado
que houve descumprimento, a Sanepar vai tomar as medidas
cabíveis para se ressarcir.”
Ziliotto reforça que a companhia
de saneamento não aceita essa multa e, por isso, recorreu
à Justiça para discuti-la. “A Sanepar acha essa multa arbritária
e o valor também. Houve vícios no consentimento dessa multa
e por isso estamos discutindo. Deixo claro que, se o Judiciário
entender que ela deve ser paga, vamos fazer o depósito
em juízo do valor, mas vamos continuar discutindo a dívida.
A Sanepar não é inadimplente.”
De acordo com o procurador-chefe
do Ibama, Marcelo Alberto Gorski Borges, a Sanepar não
tem licença ambiental para explorar o aqüífero Karst e
o Ibama tem total competência para atuar nessa situação.
“Essa autuação não tem absolutamente nenhum vício que comprometa
sua validade. É absolutamente adequada e conforme a legislação.”
Ainda segundo ele, caso a companhia continue explorando
o aqüífero sem licença, ela poderá ser mais uma vez autuada.
“O Ibama tem conhecimento de que
a Sanepar está apresentando todos os recursos processuais
de forma protelatória. Nós tínhamos a plena convicção de
que essa decisão do TRF acabaria sendo reformada. Tudo
é uma questão de tempo. A multa aplicada pelo Ibama está
absolutamente correta, e a Sanepar, mais cedo ou mais tarde,
vai acabar pagando. Seja amigavelmente, seja através da
execução fiscal”, diz o procurador.
O juiz Nicolau Konkel Junior afirma
que inscrição da Sanepar no Cadin é adequada. “A Sanepar
precisaria que o juiz, apesar de haver uma autuação, determinasse
que ela não fosse inscrita no Cadin enquanto não houvesse
decisão final. Se isso não ocorrer, enquanto houver a multa,
a Sanepar é devedora. Como não ganhou a liminar, significa
que deve ser mantida no Cadin.” Mas o juiz ressalta que,
assim que a companhia autorizar a penhora do bem que nomeou
ou faça o depósito judicial do valor da multa, o nome da
empresa deverá ser excluído do Cadin.
Para o professor da pós-graduação
em Direito da PUC PR Antônio Carlos Efing, autor da obra
“Banco de dados e cadastros de consumidores”, a inserção
de uma empresa no Cadin enquanto está se discutindo judicialmente
a validade de uma cobrança pode ser inadequada. “Se existe
algum litígio pondo em dúvida a regularidade da obrigação
que levou à inscrição, é aconselhável que essa inscrição
não surta efeitos porque a questão ainda não está resolvida
do ponto de vista judicial.”
Segundo ele, qualquer pessoa física
ou jurídica, de direito público ou privado, não pode receber
verbas públicas nem ser beneficiada por programas públicos
ao ter seu nome inscrito no Cadin. “Possivelmente isso
gera um embaraço. A lei que institui o Cadin foi feita
com o objetivo de impedir que pessoas que tenham dúvida
sobre sua idoneidade tenham acesso a crédito. Isso é uma
forma para estimular que as pessoas sempre cumpram com
suas obrigações.”
Nem a Casa Civil do governo federal
nem o Ministério das Cidades souberam informar se repasses
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) serão suspensos
enquanto o nome da Sanepar estiver inscrito no Cadin.
“Vitória é para o meio ambiente”
O retorno da Sanepar ao Cadin foi comemorado por ambientalistas
e moradores de Almirante Tamandaré que tiveram suas casas
danificadas após o início da exploração das águas do
aqüífero Karst. Para o ambientalista Valter Johnson,
essa é uma vitória para o meio ambiente. “A Sanepar vem
retirando água do aqüífero sem licença, sem autorização,
estudo, relatório de impacto e sem ter realizado uma
audiência pública, afrontando tudo e todos”, afirma.
“Nós queremos que esse dinheiro seja aplicado nos campos
de altitude de Almirante Tamandaré, que são os últimos
remanescentes da região metropolitana. Lá encontramos
vegetação graminosa de encosta de colina. Há duas flores
que só nascem ali. O lugar é de rara beleza cênica e
paisagística.”
A dona-de-casa Maria Elvira Lovato
Buzato mora há 42 anos no mesmo terreno na cidade. A casa
em que vive hoje terminou de ser construída em 1995, mas,
sete anos após ter se mudado para a nova residência, apareceram
as primeiras rachaduras nas paredes de todo o imóvel. “Começa
com um risquinho, depois vem a trinca e em seguida a rachadura.”
Segundo Maria Alzira, os problemas começaram a aparecer
depois do início da exploração do Karst.
O advogado ambientalista Rubens
Sundin Pereira explica que essa multa aplicada pelo Ibama
à Sanepar diz respeito ao crime ambiental e que as pessoas
que tiveram suas casas danificadas tiveram de entrar com
ações separadas contra a companhia. “As pessoas com casas
afetadas que se sentiram lesadas entraram com ações que
ainda estão sendo julgadas.” É o caso de Maria Elvira.
Ela espera que dêem uma solução em breve para o problema
e diz que aceitaria mudar de sua casa – com cerca de 160
metros quadrados, construída em um terreno de 2 mil metros
quadrados. “Basta que arranjem um lugar parecido para eu
me mudar com a família.” (KMM)
Publicado em 05/06/2008 | Kamila
Mendes Martins. Gazeta do povo