A
deslealdade do empregado
Alguns
empresários têm revelado um misto de preocupação e raiva
com o elevado número de ações trabalhistas movidas por
empregados demitidos. Um chegou a dizer que “a relação
entre empregadores e empregados piorou, não há mais confiança
nem lealdade; é uma relação hostil, de adversidade mútua”.
Vale a pena discutir o que há por trás disso.
Nos últimos 40 anos, a lógica do emprego
mudou muito. Até por volta dos anos 60, o empregado ingressava
na empresa com a expectativa de, em condições normais, nela
permanecer até a aposentadoria. No Brasil, até 1966 vigorou
a lei que dava estabilidade no emprego para quem completasse
dez anos de casa; após esse tempo, a demissão somente era
possível em certas circunstâncias e com indenização bastante
pesada. Tal regra até podia fazer sentido em um mercado de
vendas estáveis e tecnologia imutável. Como tal realidade
deixara de existir, a lei da estabilidade foi revogada e,
em 1966, foi instituído o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), depositado pelo empregador para indenizar
o empregado demitido.
Em situação de mercado quase imutável,
em que a empresa esperava sobreviver por muitas décadas,
a estabilidade do trabalhador era razoável, e a relação trabalhista
pautava-se por obediência incondicional e lealdade serviçal.
A consequência era que, diante da expectativa do empregado
permanecer no mesmo emprego a vida toda, o número de ações
trabalhistas não era elevado. Tal lógica, entretanto, foi
quebrada; não pelos empregados, mas pelas empresas que, premidas
pela concorrência e tendo sua existência ameaçada, começaram
a aumentar a rotatividade da mão de obra.
Nas últimas décadas, as demissões
cresceram. A revolução tecnológica apressou as mudanças nos
processos produtivos, impôs redução de custos, acirrou a
competição, e as empresas se viram diante de cenários duros,
nos quais a regra é renovar ou morrer. As demissões tornaram-se
mais frequentes e o tempo médio no emprego foi reduzido.
O preço da nova realidade foi a perda da lealdade, tal como
era conhecida até então. O trabalhador, sentindo-se desprotegido
e com seu emprego sempre ameaçado, passou a ter de se preocupar
mais consigo, com sua carreira e com seu treinamento do que
com lealdade à empresa.
Além de ter de cuidar da gestão da
sua carreira, e não apenas do emprego atual, o trabalhador
vive em ambiente de instabilidade e passível de ser dispensado
a qualquer momento. Assim, é normal que ele se sinta inseguro
e sofra certa tortura psicológica, sobretudo ao imaginar
que pode ser demitido após anos de casa, sem que ninguém
lhe pergunte sobre sua família, como estão seus filhos, como
ele irá sobreviver ou como vão suas finanças pessoais. A
expectativa de viver essa situação (e milhões a vivem todos
os anos) contribui para que o empregado adote o pensamento
de “primeiro eu, depois o patrão”. E nada há de errado nisso.
O erro é achar que, no mundo moderno, o ambiente corporativo
possa ser pautado por obediência total e lealdade incondicional.
O empresário que reclama das ações
trabalhistas está sendo ingênuo ao achar que o problema está
inscrito na esfera da bondade ou da maldade. Na nova relação
contratual, o que se espera do empregado é que seja ético
e eficiente, e, do empregador, que pague salários de mercado,
cumpra as leis trabalhistas e dê tratamento digno ao empregado.
Uma desculpa usada por empregadores que descumprem a legislação
trabalhista é que as leis são confusas e incompatíveis com
o mundo moderno. Até há verdade nisso; o que não justifica
transgressões legais nem tratamento pouco digno ao empregado.
Particularmente, penso que a legislação
trabalhista precisa ser melhorada e ajustada à economia moderna,
que é complexa e não uniforme. A contrapartida deve ser a
adoção de, entre outras, algumas medidas: a) endurecimento
das punições a empregadores que dão tratamento indigno aos
seus empregados; b) solução rápida dos conflitos trabalhistas;
c) criação de instâncias não judiciais de mediação e arbitragem
das demandas; d) melhoria dos fundos sociais de amparo ao
desempregado.
José Pio Martins, economista, é reitor
da Universidade Positivo
Fonte: Gazeta do Povo |