Jornada: impasse
na comissão; presidente é contra, relator é a favor
Presidente da comissão especial que vai analisar a proposta
de emenda à Constituição (PEC) 231/95 diz que momento é "inoportuno"
para diminuir a carga horária. Relator defende redução. Para
ele, o momento é mais que oportuno
A redução da jornada de trabalho, de 44 para 40 horas semanais,
divide o comando da comissão especial que analisa a proposta
de emenda à Constituição (PEC) 231/95, que trata do assunto.
O colegiado, que sequer iniciou seus trabalhos, só vai definir
em março seus vice-presidentes e o cronograma de audiências
públicas.
Tramitando na Câmara desde 1995, a proposta enfrenta obstáculo
em seu primeiro teste de fogo: a votação no órgão que discutirá
o mérito da mudança. O presidente da comissão especial, Luiz
Carlos Busato (PTB/RS), considera o debate "inoportuno"
devido ao agravamento da crise econômica mundial.
"Tenho medo de tomar uma decisão definitiva e acabar
transformando colibri em urubu", afirma Busato, empresário
do setor imobiliário.
O tema já foi objeto de comissão geral e na oportunidade,
as centrais entregaram ao então presidente da Câmara, Arlindo
Chinaglia (PT/SP), cerca de um milhão e 200 mil assinaturas,
colhidas num abaixo-assinado nacional em defesa da redução
da jornada de trabalho, sem redução de salário.
Impasse
Na contramão do pensamento do deputado gaúcho está o relator
da proposta, Vicentinho (PT/SP). Ex-presidente da Central
Única dos Trabalhadores (CUT), Vicentinho considera o cenário
de turbulência dos mercados ideal para o avanço da proposta.
"Quanto maior a crise, mais importante é discutir esse
projeto", afirma Vicentinho.
O relator acredita que a proposta poderá ser votada ainda
este ano pela Câmara. Para ele, se a redução da jornada com
a manutenção dos salários não for aprovada agora, dificilmente
terá chances de prosperar no futuro. "O Planalto é conduzido
por um operário. Se a gente não reduzir a jornada com esse
Governo, não sei com qual seria".
Nos últimos 14 anos, a PEC só conseguiu passar pela Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ), que se ateve à análise jurídica
e formal do texto.
O deputado petista estima que a redução de quatro horas na
atual jornada de trabalho seria responsável pela geração de
2,2 milhões de empregos em todo País. Entre as entidades sindicais
que fazem lobby pela aprovação da PEC, estão as centrais sindicais
reconhecidas pelo Ministério do Trabalho - CGTB, CTB, CUT,
Força Sindical, Nova Central e UGT.
Mais por menos
De acordo com os organizadores da campanha, a redução da jornada
de trabalho no Brasil é urgente porque o trabalhador brasileiro
passa mais horas em suas atividades e recebe menos que os
colegas de outros países.
"Na França, por exemplo, a jornada semanal é de 36,8
horas. Na Espanha, trabalham-se 35 horas por semana. Na Alemanha,
40,3 horas. Já nos Estados Unidos, a carga horária semanal
é de 42 horas.
E isso que o custo da nossa mão-de-obra é 5,8 vezes menor
que nos Estados Unidos, seis vezes menor que na Holanda e
três vezes menor que na Coréia do Sul. Para um país em franca
expansão econômica como o Brasil, isto é inadmissível",
afirma o site da campanha.
O mais do mesmo
Os argumentos das centrais não sensibilizam Busato. O deputado
avalia que ainda é muito cedo para, diante dos efeitos negativos
da crise na economia brasileira, alterar a Constituição e
reduzir a jornada de trabalho. Em sua análise, o efeito poderia
ser negativo para os trabalhadores.
Como alternativa para a PEC, o deputado gaúcho propõe algumas
medidas, como a desoneração de tributos para empresas, crédito
para a atividade produtiva, dilatação do prazo de recolhimento
de impostos, banco de horas e férias coletivas.
Busato compartilha da opinião do presidente da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI), deputado Armando Monteiro (PTB/PE),
seu companheiro de partido. O parlamentar pernambucano defende
a necessidade de reduzir tributos e encontrar alternativas
para evitar demissões. Procurado pela reportagem, Monteiro
não retornou os contatos feitos em seu gabinete.
O presidente da comissão especial garante que, apesar de
defender o adiamento do debate, conduzirá com isenção os trabalhos
do colegiado durante a análise da proposta de redução da jornada.
"Entendo o lado dos empregados", afirma.
"Quem pago o custo"
Já o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT/SP), presidente
da Força Sindical, destaca que em um momento de crise, a prioridade
é a manutenção dos direitos dos trabalhadores e de seus empregos.
Para ele, a principal função da comissão especial será "por
o Governo na parada". "Temos que discutir quem paga
o custo".
Segundo o pedetista, para reduzir a jornada de trabalho sem
promover demissões, é necessária uma desoneração tributária.
Paulinho descarta a possibilidade de a proposta ser alterada
pelos parlamentares para permitir, com a redução da jornada,
cortes nos salários.
Uma das alternativas apontadas pelo deputado para garantir
a diminuição da carga de trabalho e a manutenção dos salários
é a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)
e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(Cofins). "São vários impostos [que podem deixar de ser
cobrados]", resume.
O debate só está no início, admite o relator da proposta.
Segundo Vicentinho, o processo de negociação da proposta será
longo e exigirá "mil criatividades" da parte dos
parlamentares para garantir um texto que agrade a empresários
e trabalhadores.
Resistência no Senado
Vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC),
o senador Adelmir Santana (DEM/DF) avalia que a redução da
jornada de trabalho, num cenário de crise econômica, pode
aumentar a informalidade. "É um jogo extremamente perigoso",
afirma. "É uma matéria que exige muito cuidado. É necessário
ouvir os setores produtivos envolvidos. Talvez esse não seja
o momento para conceder benesses", complementa o senador.
De acordo com Adelmir, o debate sobre a redução de quatro
horas na jornada dos trabalhadores é prematuro. "Este
não é o momento". Já o senador Inácio Arruda (PCdoB/CE),
um dos autores da PEC, avalia que as incertezas provocadas
na economia tornam o ambiente propício para esse tipo de discussão.
Para ele, a redução da jornada, com a manutenção dos salários,
produz "um aumento da massa salarial e uma redistribuição
da renda", além de aumentar as vendas do comércio e estimular
a economia nacional e o desenvolvimento.
"A redução de jornada é uma realidade no mundo todo,
apoiada inclusive pela Organização Internacional de Trabalho
[OIT]. O crescimento econômico deve vir acompanhado de medidas
que permitam a geração de emprego mais condizente com as necessidades
do povo brasileiro", afirma o senador cearense. Porém,
Inácio Arruda ressalta que a aprovação da PEC "vai exigir
a mobilização dos trabalhadores".
Em 1995, o então deputado Inácio Arruda apresentou a proposta
ao lado de Paulo Paim (PT/RS). De lá pra cá, os dois viraram
senadores, e a PEC só passou pela Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ), onde foi analisada apenas sob os aspectos
jurídico e formal.
A votação na comissão especial, que analisará o mérito da
mudança, é o primeiro teste de fogo da proposição, que precisará
do apoio de 308 deputados, em dois turnos de votação, antes
de ser enviada ao Senado. (Com Congresso em Foco)
Fonte: Diap
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