LEI
SECA (?)
A recente lei que institui a alcoolemia zero
para quem dirige tem um mérito essencial. Trouxe à luz o debate
sobre a relação ambígua e confusa que a sociedade brasileira
mantém com o álcool e com as outras drogas. Pretendo evitar
aqui as estatísticas e os números já conhecidos.
Acreditamos que é elegante e sofisticado
entender de vinhos e suas misteriosas combinações com os diversos
alimentos e sabores. É prova de fina educação saber degustar
um ótimo charuto (mesmo que o melhor deles seja proveniente
daquela ilha ao sul dos EUA, governada de modo exótico) e
conciliar um bom licor ou conhaque ao final da refeição.
Por outro lado, não suportamos o convívio
com pessoas embriagadas. Quando muito, rimos de suas caricaturas
em comédias e personagens de estética duvidosa. Mesmo entre
médicos, muitos não gostam de atender alcoolistas.
A mídia publicitária apresenta, 24h por dia,
jovens saudáveis e bonitos divertindo-se em festas, atividades
esportivas ou na praia. Utiliza figuras conhecidas e admiradas
para associar a imagem de sucesso, prazer e alegria às bebidas,
em especial à cerveja. E orgulha-se de apresentar as mulheres
de modo desfrutável e cínico, reduzindo as mulheres às supostas
qualidades da mesma cerveja.
Mas a propaganda não mostra os corpos destruídos
ou mortos dos jovens vítimas ou causadores de acidentes automobilísticos
ou de brigas violentas. Também não mostra as mulheres agredidas
em casa por seus maridos embriagados, ou os inutilizados em
acidentes de trabalho. Só quem tem em sua família alguém dependente
de álcool - e são milhões no Brasil - conhece a outra face
das "inocentes" cervejas.
A decisão do governo de instituir o nível
zero de álcool no sangue para quem dirige só pode ser entendida
em um contexto mais amplo.
Em primeiro lugar não é uma lei seca - tentativa
de marcar de modo negativo a lei. A lei não proíbe ninguém
de beber. Apenas afirma: quem bebe não pode dirigir. Não há
nenhum exagero ou arbítrio nisso, como demonstram inúmeros
exemplos internacionais.
Aqueles que combatem a lei com argumentos
que invocam o direito individual ou o excesso de ingerência
do Estado na vida do cidadão, mesmo que possam estar com boas
intenções, estão equivocados. Pensam que beber em pequena
quantidade é inofensivo e que não induz a nenhum risco.
Mas isso não é verdade, ingerir álcool em
qualquer quantidade altera a capacidade cognitiva e motora
de qualquer pessoa, em níveis que dependem do tipo de bebida
consumida, peso, sexo, idade e tempo.
Pessoas inteligentes, educadas e bem informadas
que pensam que pequenas doses de álcool são inócuas e compatíveis
com uma atividade de alto risco como dirigir um automóvel,
estão iludidas, ao esquecer que o álcool, embora lícito, é
um droga pesada. Talvez inebriadas por excesso de publicidade
ou carentes de informação científica.
Entretanto, mesmo essas pessoas dificilmente
aceitariam como natural que um cirurgião operasse depois de
beber "apenas" umas duas inofensivas cervejinhas,
ou dois "saudáveis" cálices de vinho ou uma "relaxante"
dose de uísque. Ou que um piloto de avião, ou um juiz, ou
um jogador de futebol, ou uma empregada doméstica ingerisse
tais "mínimas" quantidades de bebida no exercício
de suas funções.
Todo cidadão tem o direito de ser protegido
em sua integridade física e emocional. Ou seja, andar nas
ruas e dirigir seu automóvel sem correr o risco de ser atingido
por um motorista alcoolizado.
Todo cidadão tem o direito de beber o que
quiser e quanto quiser. Só não pode obrigar a sociedade a
pagar, em todos os níveis, por seus atos inconseqüentes e
irresponsáveis.
Fonte: www.crmpr.org.br
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