Licença-maternidade
sem preconceito
A prorrogação da licença-maternidade é um enorme avanço
porque estimula o cidadão a transformar a realidade
A PRORROGAÇÃO da licença-maternidade de quatro
para seis meses está prestes a se converter em lei. É projeto
da Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com a OAB
e a senadora Patrícia Saboya (PDT-CE). Como idéia inovadora,
suscita resistências. A maioria desaparece quando a natureza
da iniciativa se torna pública. Restam apenas alguns preconceitos
de superação mais difícil.
O projeto não é ação isolada. Integra um
conjunto de propostas que têm por objetivo promover avanços
sociais relevantes. Articula direitos da criança, da mãe,
da mulher, do pai e da família para resguardar valores éticos
e diminuir desigualdades. Assim, dois outros projetos da mesma
parceria tramitam no Congresso.
Um deles cria o Programa Nacional de Educação
Infantil. Prevê fundo para financiar construção e funcionamento
de creches e pré-escolas para famílias de baixa renda. O outro
defende o ensino fundamental em tempo integral em todas as
escolas públicas. São estratégias que garantem à mulher o
direito de se dedicar ao trabalho em igualdade de condições
com o homem, sem prejuízo dos cuidados a que a criança tem
direito.
O objetivo da licença ampliada é proteger
a maternidade, entendida como seqüência de momentos, estímulos,
ambientes, cuidados e provimentos que permitem ao bebê a plenitude
dos fenômenos biológicos e psicogênicos que o fazem evoluir
de embrião a cidadão, preservados os direitos da mulher e
as conquistas já alcançadas. Não é, portanto, tarefa exclusiva
da mãe. É responsabilidade de todos, porque a criança é o
capital humano prioritário para a sobrevivência da sociedade.
O Brasil é a pátria das desigualdades. Por
isso, nenhuma lei pode ter a pretensão de resolver todos os
desafios pendentes. O progresso social é lento, faz-se por
avanços e recuos. Não basta ter sonhos. É preciso dizer como
realizá-los numa sociedade afeita a privilégios de origem.
Toda mudança supõe o exercício do diálogo e da tolerância,
com os pés no chão do realismo político.
A história nos mostra que a imposição da
igualdade não se sustenta. O único caminho é a redução progressiva
e civilizada das desigualdades. Como disse André Sponville:
"Quem não percebe que a busca paciente e organizada do
interesse comum é melhor do que o confronto ou a desordem
generalizados?".
A proposta que amplia a licença-maternidade
leva em conta esses conceitos. Por isso avança rapidamente.
Mais de 80% das mulheres e dos homens ouvidos pelo DataSenado
nas capitais do país apóiam a medida e entendem que ela beneficiará
todos, especialmente a criança, uma prova de mudança da mentalidade.
Quem pensa que o único alvo da iniciativa
é o aleitamento materno está desinformado. O projeto vai muito
além. Busca fazer o que o psicanalista Donald Winnicot define
como educação plena, isto é, a criação de ambientes de estimulação
favorável à expressão das originalidades potenciais do novo
ser.
Quem alega que a proposta nada mais é que
um incentivo fiscal dado às empresas peca pelo preconceito.
Várias empresas já estenderam a licença-maternidade por conta
própria, sem qualquer isenção fiscal. Exemplos: Nestlé, Fersol,
Cosipa, Garoto, Eurofarma e Wal Mart, entre outras. A medida
é inovadora porque não impositiva. Respeita a decisão da mulher.
Nenhuma mãe será obrigada a requerer os dois meses previstos.
Só o fará quando julgar conveniente. Se não, poderá voltar
ao trabalho ao final dos quatro meses da licença em vigor.
Se a lei fosse impositiva, algumas mulheres
se sentiriam forçadas a cumprir a prorrogação definida. Não
é o caso. Tampouco a empresa ficará obrigada a conceder o
benefício. O empresário será estimulado a reconhecer os direitos
e a fazer a sua parte. Se o fizer, terá, como contrapartida
do Estado, a isenção de encargos tributários equivalentes
ao custo dos dois meses suplementares de licença.
A mobilização em torno do projeto trouxe
à tona a questão da paternidade responsável. Em muitos dos
93 municípios e dos dez Estados que já prorrogaram a licença,
a modificação da lei orgânica também ampliou a licença-paternidade
para 15 dias. É pouco, mas é um bom começo rumo à conquista
das igualdades defendidas.
A Justiça acaba de conceder licença de três
meses a um homem de 40 anos que adotou um bebê.
A prorrogação da licença-maternidade contribui
para a derrubada de preconceitos. É um enorme avanço porque
estimula o cidadão a transformar a realidade.
|