Projeto de lei confronta empregados e patrões
Empregadores divergem da lei que garante estabilidade ao futuro pai e estimam que alguns trabalhadores podem até sair prejudicados na busca por emprego
Antes mesmo de virar lei, o projeto que proíbe as empresas de demitir trabalhadores prestes a serem pais vem causando polêmica. A proposta aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados impede a demissão sem justa causa durante um período de 12 meses, contando a partir do provável início da gravidez. A empresa que desrespeitar a medida terá de pagar 18 meses de salário ao futuro pai demitido. Enquanto entidades ligadas a empregados defendem a aprovação do projeto, grupos encabeçados por patrões criticam o conteúdo da proposta. O texto ainda precisa ser votado pelos senadores.
Em meio à crise que atinge a economia mundial, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Paraná, Roni Anderson Barbosa, acredita que o projeto foi proposto em um momento oportuno, no qual a entidade luta ainda mais pela manutenção dos empregos. Para ele, a gravidez é um momento delicado na vida de um casal, que precisa de garantias para o sustento da mãe e, principalmente, do bebê. “Uma demissão nessa hora pode desestabilizar a família e, o que é mais grave, prejudicar o desenvolvimento da criança”, diz.
O segurança Rafael Fagundes passou por uma situação parecida em agosto de 2007. Com o fim de um contrato de dois anos de trabalho, ele foi obrigado a deixar o emprego de carcereiro da Polícia Civil. Naquele momento, sua mulher, Daniele, estava grávida do pequeno Arthur, que nasceria três meses depois de o pai ficar desempregado. “Se essa lei já valesse no ano passado, talvez eu não estivesse sem emprego hoje”, afirma. Atualmente, Rafael faz alguns bicos como segurança e ganha em média R$ 800 por mês. O segundo filho do casal, que já está a caminho, deve nascer dentro de cinco meses. Até lá, Rafael espera que a nova lei esteja em vigor e que ele tenha conseguido um trabalho fixo. “Com o emprego garantido por um ano, qualquer pai com certeza vai ficar mais tranqüilo. Afinal, filho sempre é uma responsabilidade”, diz. Na opinião de Daniele, a lei permitirá que o trabalhador não fique desamparado em um momento tão importante para a família, como a gravidez. “Tudo o que envolve criança tem muitas despesas. Como um pai desempregado vai pagar essas contas?”, questiona.
Assim como o casal Fagundes, o advogado Vanderlei Sartori, assessor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Mate, Laticínios e Produtos Derivados de Curitiba e Região, vê com bons olhos o projeto de lei. Segundo ele, apenas uma justa causa pode legitimar a demissão de um trabalhador cuja mulher estiver grávida. “As empresas só levam em conta o próprio lado e não vêem o contexto em que o empregado está inserido antes de uma paternidade”, diz. Para Sartori, a proposta favorece a reprodução da classe trabalhadora e, por conseqüência, a própria empresa. “Ter filhos é uma necessidade do sistema, que precisa a cada dia de mais mão-de-obra”, afirma. “Nosso sindicato está torcendo pela aprovação do projeto”, acrescenta.
Apesar de também considerar positiva a proposta, Barbosa, da CUT-PR, avalia o projeto como paliativo. Na sua opinião, essa é apenas uma de muitas ações necessárias para que os trabalhadores adquiram, de fato, estabilidade nos empregos. “Hoje, as empresas demitem sem justificativa nenhuma”, reclama. “É preciso pôr um freio nessa grande rotatividade de funcionários que ocorre em todo o Brasil”, defende.
Patrões reclamam
Por enquanto, a maioria dos empresários brasileiros tem se manifestado contrária à aprovação do projeto. De acordo com João Carlos Requião, assessor jurídico da Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio), ainda são pouco claras as condições em que os futuros pais deverão ganhar a estabilidade de 12 meses no emprego. “E se a empresa demitir o funcionário quando ainda não havia a informação de que a esposa dele estava grávida? Será preciso reintegrá-lo, indenizá-lo ou algo parecido?”, questiona.
O advogado critica também o texto do projeto, que vale apenas para os futuros pais que estejam casados ou tenham uma união estável com a gestante. “Pai não é só quem está casado”, afirma. “Com o texto atual, o projeto vai causar conflitos enormes. Ele ainda merece uma reflexão maior”, afirma.
Prejuízo
Já Amilton Stival, coordenador do conselho de relações de trabalho da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), acredita que o projeto de lei pode prejudicar o trabalhador, em vez de beneficiá-lo. Na sua opinião, as empresas tendem a se tornar mais rigorosas na contratação de funcionários, deixando de admitir homens casados, por exemplo. “Pessoas solteiras, teoricamente, podem ter mais chances nas entrevistas”, prevê. “Até mesmo aqueles que já tenham feito vasectomia largarão na frente, se o projeto realmente virar lei”, acredita. Uma grande preocupação para as empresas, segundo Stival, é com o impedimento de demitir trabalhadores mesmo em momentos de crise, como hoje. “Com a estabilidade do emprego garantida a quem vai ser pai e sem poder demiti-lo, a companhia vai à falência?”, pergunta.
Na opinião de Sérgio Malucelli, diretor-executivo da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), a proposta tem um caráter populista e não mede o impacto que pode causar ao empresariado. Para ele, o funcionário bom e zeloso não precisa de leis como essa para se manter no emprego. “O empregado preocupado com o serviço sempre vai ter sua vaga preservada”, afirma. “A medida beneficiará o trabalhador relapso, que pode até se valer dela para não ser demitido”, diz.
A lei atual
Saiba quais são os direitos já assegurados aos trabalhadores que vão ser pais:
Pai
• Direito à licença-paternidade de cinco dias após o nascimento do bebê.
Mãe
• Consultas e exames durante a gravidez valem como justificativa de falta.
• Pode mudar de função ou setor que atrapalhe a saúde do bebê.
• Durante a gravidez, e até cinco meses depois do parto, não pode ser demitida, a não ser por justa causa.
• A partir do oitavo mês de gestação, tem direito a licença-maternidade de 120 dias.
• Até que o bebê complete seis meses, pode se ausentar do trabalho por dois períodos de 30 minutos para amamentar.
Fonte: Justiça do Trabalho
Para advogado trabalhista, projeto é inconstitucional
Publicado em 15/12/2008
O Projeto de Lei nº 3.829, de 1997, é inconstitucional, na opinião do advogado trabalhista Antônio Carlos Aguiar. Ele questiona alguns pontos da proposta que, em sua avaliação, vão contra o que determina a Constituição Federal. Por exemplo, Aguiar alega que a paternidade de um empregado não tem qualquer ligação com o contrato de trabalho estabelecido com a empresa. “Um trabalhador acidentado ou que está prestes a se aposentar, sim, deve ter a garantia de estabilidade”, afirma. “Tornar-se pai, no entanto, é um evento totalmente distinto da relação de vínculo do emprego”, argumenta.
Para o advogado, o projeto elimina, por meio de uma razão externa às relações de trabalho, a situação de igualdade que deve existir entre patrões e empregados. “A partir do momento em que o funcionário ganha estabilidade no emprego porque vai ser pai, a empresa perde a liberdade contratual de demiti-lo quando julgar necessário”, diz.
Por fim, ele considera discriminatório o teor do projeto, que garante apenas aos futuros pais a estabilidade de 12 meses no emprego. Segundo Aguiar, a proposta exclui – e, portanto, discrimina – pais que já têm um ou mais filhos. Além disso, o texto menciona apenas o empregado cuja esposa ou companheira estiver grávida. “E os trabalhadores que tiverem filhos fora do casamento ou frutos de uma relação casual?”, indaga. “Eles serão pais do mesmo jeito, com as mesmas responsabilidades”, diz. (ELG)
Fonte:Gazeta do Povo 15/12/2008 |