“As
reformas trabalhistas devem sempre proteger o trabalhador”
Eneida Melo Correia de Araújo, coordenadora do Colégio de Presidentes
e Corregedores de Tribunais Regionais do Trabalho
Curitiba
esteve no centro da Justiça Trabalhista, na semana passada,
quando o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná recebeu
uma reunião do Colégio de Presidentes e Corregedores de TRTs
(Coleprecor). Entre os temas debatidos, destaque para o processo
eletrônico – no qual o TRT paranaense é pioneiro – e o apoio
do Coleprecor à aprovação de um projeto de lei, em trâmite
no Congresso Nacional, que obriga a Previdência Social a incluir
na contagem do tempo para aposentadoria do trabalhador as decisões
judiciais que reconhecerem créditos trabalhistas não recolhidos
pelas empresas – mesmo em decisões sem base de prova documental.
A desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, presidente
do TRT de Pernambuco e coordenadora do Coleprecor, falou sobre
esse e outros temas à reportagem da Gazeta do Povo.
Um dos principais focos das reuniões do
Coleprecor em Curitiba foi a digitalização do processo trabalhista.
Em que medida isso é importante? A legislação trabalhista também
não precisa se modernizar?
O processo judiciário eletrônico é o que
há de fundamental para acelerar as decisões, uniformizá-las,
ter uma prestação mais coerente com a realidade social. Com
essa revolução da tecnologia, o Processo do Trabalho tem de
a ela se adequar. Temos de acompanhar o progresso. Mas, por
outro lado, também não se podem abandonar os princípios que
norteiam o Direito do Trabalho. Ou seja, avançamos, progredimos,
aceitando novas formas de relação do trabalho, mas sem perda
do referencial que é proteção do hipossuficiente. As reformas
devem ser sustentadas acompanhando a modernização do Direito,
do Direito Geral, das novas tecnologias, mas sempre protegendo
o homem.
Esta reunião em Curitiba também tratou
de um problema perante a Previdência Social, em relação às
decisões judiciais, correto?
Uma longa luta vem sendo travada pela
Justiça do Trabalho, para que os créditos reconhecidos na Justiça
possam efetivamente beneficiar o trabalhador na aposentadoria.
Algumas empresas mantêm seus trabalhadores sem registro de
carteira, ou registram, mas não fazem o recolhimento previdenciário.
Quando os créditos são reconhecidos como devidos na Justiça
do Trabalho, declara-se também o dever de a empresa fazer os
recolhimentos para a previdência do trabalhador. Ocorre que,
para a Previdência, só faz jus a esses fatores, para os fins
de aposentadoria, o trabalhador em cujo caso a Justiça do Trabalho
tenha baseado sua decisão em prova material. Prova material
são documentos, e nem sempre o trabalhador dispõe de documentos.
Muitas vezes a prova é meramente testemunhal. Agora há um projeto
de lei, já no Congresso, no sentido de que, proferida a decisão
na Justiça, quer baseada em prova material ou não, esses valores
sejam dirigidos ao montante que é necessário para o trabalhador
se aposentar. Vamos pedir que o Tribunal Superior do Trabalho crie uma comissão para atuar na Advocacia Geral da
União e aos órgãos da Previdência, no sentido de se fechar
um ajuste, um acordo político. E, paralelamente, vamos trabalhar
no Congresso para que esse projeto de lei tenha uma rápida
tramitação e essa solução seja definitivamente acertada, para
que se possa ter segurança em relação à aposentadoria desses
trabalhadores.
A sra. é autora da obra As Relações
de Trabalho: Uma Pesquisa Democrática (LTr Editora). Como
estão hoje, no mundo globalizado, essas relações de trabalho?
Eu diria que estão desnorteadas. Estamos
sendo surpreendidos com um progresso em tecnologia muito grande,
que não corresponde necessariamente a um maior número de empregos.
Devemos ter cautela para que o trabalho não seja precarizado,
para que não se deixe de ter uma relação firme, assentada nos
parâmetros que existem em toda legislação no mundo: os direitos
trabalhistas, os direitos de jornada, o direito a um salário
digno, o direito a cuidar da saúde de trabalhador.
Um dos temas mais polêmicos na esfera
trabalhista é a questão da arbitragem. Por que existe resistência
à prática da arbitragem trabalhista? Ela não poderia desafogar
o Judiciário?
Em tese, poderia, se você deslocar o foco
central do Direito do Trabalho: o hipossuficiente. Não é razoável
que um homem humilde vá negociar os seus direitos trabalhistas
livremente junto a um empregador, um empresário, um técnico,
um árbitro. Aceitamos a arbitragem do direito coletivo, porque
no direito coletivo é um sindicato que vai negociar. E o sindicato
tem poder político e econômico, bons advogados para negociar.
Já nas relações individuais de trabalho, a arbitragem seria
a morte dos direitos trabalhistas, porque o trabalhador é sempre
o hipossuficiente. A arbitragem é valiosíssima, mas partindo
do princípio da igualdade dos sujeitos. No caso da arbitragem
nas relações individuais, poderia até livrar os juízes de um
acúmulo maior de serviço, mas não estaríamos prestando um serviço
de justiça e de cidadania a estes homens humildes. Por isso
não defendo a arbitragem nas relações individuais.
fonte: Gazeta do Povo |