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Ação da Terceirização - Ministério Público do Trabalho

 

Autos n.º RTOrd 01536-2010-658-09-00-0
Aos vinte e dois dias do mês de outubro de dois mil e dez às 17h10 na sala de audiências desta Vara, na presença da Juíza do Trabalho NEIDE CONSOLATA FOLADOR, foram apregoados os litigantes: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, autor, e COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR, ré. Cientes as partes desta audiência de julgamento, leitura e publicação de sentença, conforme consta às fls. 725/6.


Vistos, etc.:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou ação civil pública em face da COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR, requerendo a condenação da Requerida a:

1) abster-se de contratar empresas interpostas para a realização de sua atividade-fim;
2) proceder, no prazo de 270 dias, a substituição de todos os trabalhadores terceirizados, empregados das Kammer Construtora Ltda., por empregados públicos concursados. Pleiteou, ainda, que seja determinado à Gerência Regional do Trabalho desta cidade que verifique o cumprimento da liminar, caso deferida. Em caso de descumprimento da obrigação contida no item 1, requereu a aplicação de multa diária no valor de R$ 10.000,00 por trabalhador. Juntou documentos (fls. 37/280).
A liminar foi indeferida (fl. 282).
Defendeu-se a Requerida apresentando a contestação de fls. 285/319, acompanhada de documentos (fls. 333/511), sobre os quais manifestou-se a parte contrária às fls. 517/25.
Foram ouvidos o Preposto e uma testemunha (fls. 527/9).
Por determinação do Juízo (fl. 529), a Requerida juntou documentos (fls. 534/96).
Foi oficiada a Junta Comercial do Paraná (fls. 599/600), a qual enviou os documentos solicitados (fls. 602/708), com manifestação das partes às fls. 711v. e 716.
A Requerida juntou documentos extraídos de ação semelhante, que tramita em Curitiba (fls. 727/52). Sobre eles, manifestou-se o Autor à fl. 725.
Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual, com razões finais remissivas pelo Autor e por escrito pela Ré (fls. 753/73).
Vêm os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
ISTO POSTO:


I - PRELIMINARES


1- Da litispendência

Em suas razões finais, a Requerida sustenta que existe litispendência, já que existe outra ação coletiva proposta pelo Ministério Público do Trabalho (autos nº 15207-2010-009-09-00-7) tramitando em Curitiba, que trataria de suposto dano de âmbito regional (Estado do Paraná), a qual teve seus pedidos rejeitados, conforme consta na cópia de sentença juntada às fls. 747/52. Afirma que é inegável a competência do foro da capital do Estado - Curitiba - para processar e julgar o feito, razão pela qual requereu o reconhecimento da litispendência, com a extinção do processo, sem resolução do mérito.
Manifestando-se sobre o tema (fl. 725), o MPT afirma que não há litispendência, invocando o art. 2º da Lei 7.347/85 (LACP) e o art. 104 do CDC e sustentando que o foro competente para o julgamento da demanda é o local do dano e, no caso vertente, a ação trata de dano ou prejuízo aos trabalhadores terceirizados na circunscrição da Procuradoria do Trabalho do Município de Foz do Iguaçu.
Na verdade, o art. 104 do CDC trata de litispendência entre ação coletiva e ações individuais, não se aplicando ao caso presente. O dispositivo legal aplicável, no caso, é o art. 93 da Lei 8.078/90 (CDC), o qual dispõe que "ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I) no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando for de âmbito local. Não se aplica, no entender deste Juízo, o disposto no inciso II (foro da capital do Estado para os danos de âmbito regional), visto que não há prova de que a terceirização discutida nesta ação ocorra em todo o Estado do Paraná. Ao que tudo indica, o fato acontece em Foz do Iguaçu e em Curitiba, não se podendo afirmar que o mesmo ocorre em todo o Estado do Paraná.
Do artigo denominado "Os Reflexos do Pedido e da Causa de Pedir em Demandas Coletivas de Terceirização de Teleatendimento dos Serviços Públicos", da Procuradora do Trabalho Luciana Estevan Cruz de Oliveira (in Tutela Processual Coletiva Trabalhista, S.Paulo, LTr, 2010, p. 209) extrai-se o seguinte ensinamento:
"... o aspecto subjetivo nas demandas coletivas deve ser observado em função das pessoas que serão atingidas pelos efeitos da decisão. A legitimação para agir nas demandas coletivas é concorrente e disjuntiva e, por isso, o elemento subjetivo da demanda deve ser observado sob a identidade de condição jurídica das partes".
Na mesma obra, em artigo de autoria de Gustavo Filipe Barbosa Garcia, intitulado "Ação Civil Pública e Danos de Âmbito Regional e Nacional: Competência e Alcance da Coisa Julgada", é transcrita citação (p. 68) de Ada Pellegrini Grinover, com o seguinte teor:
"Entretanto, não sendo o dano de âmbito propriamentre regional, mas estendendo-se por duas comarcas, tem-se entendido que a competência concorrente é de qualquer uma delas"
Nestas condições, considera-se inaplicável o disposto na O.J. 130 da SDI-II do TST, pois não há prova de que a extensão do dano a ser reparado, em caso de acolhimento do pedido, limita-se ao âmbito regional (entenda-se "estadual").
Aliás, a própria Requerida junta aos autos diversos documentos (fls. 334/89) que comprovam que atua em Foz do Iguaçu mediante contrato de concessão firmados com o Município. A forma como executa o contrato de concessão, portanto, é matéria de âmbito local.
Note-se que os contratos de prestação de serviços questionados nesta ação não possuem abrangência estadual, sendo firmados "para a cidade de FOZ DO IGUAÇU" (fls. 535, 551, 563, 577 e 584, por exemplo).
Para espancar qualquer dúvida sobre o tema, o art. 16 da Lei 7.347/85, que trata especificamente da ação civil pública, dispõe que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator..." (redação dada pela Lei 9.494/97).
Nesse sentido, cita-se ementa da lavra do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LITISPENDÊNCIA - LIMITES DA COISA JULGADA. 1. A verificação da existência de litispendência enseja indagação antecedente e que diz respeito ao alcance da coisa julgada. Conforme os ditames da Lei 9.494/97, "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator". 2. As ações que têm objeto idêntico devem ser reunidas, inclusive quando houver uma demanda coletiva e diversas ações individuais, mas a reunião deve observar o limite da competência territorial da jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. 3. Hipótese em que se nega a litispendência porque a primeira ação está limitada ao Município de Londrina e a segunda ao Município de Cascavel, ambos no Estado do Paraná. 4. Recurso especial provido." (REsp 642462 / PR, 2ª Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 18/04/2005 p. 263)
Portanto, não resta nenhuma dúvida de que a sentença juntada em cópia às fls. 747/52, proferida pelo Exmo. Juiz Eduardo Milléo Baracat produzirá efeitos nos limites da circunscrição judiciária abrangida pela Varas do Trabalho de Curitiba e, a que está sendo proferida por este Juízo, irradiará seus efeitos aos municípios que fazem parte da circunscrição judiciária da Justiça do Trabalho de Foz do Iguaçu.
Afasta-se, portanto, a preliminar de litispendência invocada pela Ré.


2- Da incompetência da Justiça do Trabalho

A Requerida sustenta que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar e julgar o feito. Invoca o art. 114, I, da C.F., alegando que não se trata de relação de trabalho.
Ao contrário do que alega a Contestante, a competência da Justiça do Trabalho para julgar esta ação está expressamente prevista no ordenamento jurídico, mais precisamente no art. 83, III, da Lei Complementar 75/93, que está em sintonia com a parte final do art. 114 da Constituição Federal.
A competência do Juízo é determinada pela natureza da obrigação ou do bem jurídico em questão. No caso em exame, há notícia de contratação irregular de trabalhadores, por meio de "empresas interpostas", que exerceriam atividades ou serviços típicos ligados à atividade-fim da Requerida, desvirtuando a terceirização típica.
Não existe nenhuma outra Justiça, senão a Trabalhista, competente para apreciar e julgar a matéria, ainda que invocada a tutela de interesses difusos ou coletivos, porém relacionados a interesses de trabalhadores.
Rejeita-se a preliminar.


3- Do litisconsórcio passivo necessário

Sustenta a Ré que, se o Autor pretende o reconhecimento de vício em contrato de terceirização firmado com a Kammer Construtora Ltda., esta deve ser citada para apresentação de resposta, em atenção ao direito fundamental pertinente ao devido processo legal - contraditório e ampla defesa. Assim, pleiteou a extinção do processo, sem resolução do mérito, por "ausência de pressuposto processual de constituição e de desenvolvimento válido e regular" (fl. 290, in fine).
Quanto a esta matéria, ratifica-se o que foi decidido na audiência realizada em 08.07.10 (fls. 526/7), mantendo-se apenas a SANEPAR no pólo passivo, única responsável pela decisão de terceirizar o serviço questionado nesta ação. Assim, deve arcar com as conseqüências jurídicas daí advindas, inclusive ações de indenização por prejuízos causados a terceiros, se for o caso.


4- Da ilegitimidade ativa do M.P.T.

Alega a Contestante que, no caso em exame, o Autor é parte ilegítima para figurar no pólo ativo da relação jurídica processual, haja vista que pretende defender direito constitucionalmente reservado para os sindicatos.
Entende-se que a atuação do Ministério Público do Trabalho encontra respaldo legal no art. 129, III, da Constituição Federal e no art. 83, III, da Lei Complementar 75/83.
Aliás, como bem frisou o Autor às fls. 519/20, "ao Ministério Público é constitucionalmente atribuída a legitimidade para defesa exatamente de interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos)".
Encontra-se caracterizada perfeitamente a hipótese de lesão a direitos coletivos ou difusos, razão pela qual reconhece-se a legitimidade do M.P.T. para o ajuizamento da ação. O Autor desta ação visa justamente, exercendo suas atribuições constitucionais, proteger os interesses coletivos dos trabalhadores que prestam os serviços que foram terceirizados.
Rejeita-se também esta prefacial.


5- Da carência da ação por falta de interesse de agir

A Ré sustenta que "a questão da presente demanda não é de interesse de uma coletividade, tampouco representará lesão no interesse da sociedade em geral, ao contrário, apenas irá prejudicar a sociedade, que padecerá de serviços imprescindíveis para o progresso da cidade...". Alegando que não existe o binômio utilidade/necessidade e adequação, assevera que não há interesse de agir e pede a extinção do processo, sem resolução do mérito.
Razão não lhe assiste, todavia. Existe uma coletividade de trabalhadores prestando serviços à SANEPAR na condição de "terceirizados" e certamente com todo o interesse em prestar concurso e integrar-se de forma contínua e por contrato direto com a concessionária SANEPAR, caso reconhecida a ilicitude da terceirização.
É evidente, também, que as sucessivas condenações subsidiárias da Ré (que faz parte da administração pública indireta), em ações trabalhistas movidas por ex-empregados das empresas prestadoras evidencia que há interesse do Ministério Público, na condição de fiscal da lei, de pleitear o reconhecimento da ilegalidade da terceirização de serviços.
Afasta-se também esta preliminar.


II - MÉRITO


1- Da terceirização de serviços

Alega o M.P.T. que a Requerida vem burlando a legislação trabalhista, terceirizando, ilicitamente, serviços ligados à sua atividade-fim, mais precisamente aqueles de manutenção e de reparos nas redes de água e esgoto, colocando seus empregados concursadosao lado de empregados prestadores de serviço de empresas privadas, provocando diferenças de remuneração entre eles e colocando-os em suituação de subordinação. Houve tentativa de celebração de "Termo de Ajustamento de Conduta", porém a Requerida negou-se a assiná-lo. Afirma que os serviços terceirizados não são especializados, uma vez que todas as técnicas e tecnologias são transmitidas pela SANEPAR, por meio do "Sistema Gerencial de Manutenção" (SGM), que discrimina todos os serviços e procedimentos específicos, definindo um número (códido) para cada tipo de serviço. Relata que, em sede de Inquérito Civil, a Fiscalização do Trabalho apurou irregularidades na empresa que atualmente é contratada para os serviços terceirizados - Kammer Konstrutora Ltda., especialmente o pagamento "por fora" de "adicional". Assevera, ainda, que os empregados da SANEPAR possuem o conhecimento e o treinamento para executar as mesmas funções dos empregados da KAMMER e que efetivamente o fazem, antes do início de um novo contrato, ficando evidenciado que a SANEPAR possui, em seus quadros, pessoal admitido por concurso público exercendo as mesmas funções dos trabalhadores terceirizados, o que afronta o art. 7º, inciso XXXI, da Constituição Federal, sendo óbvio que o faz para reduzir encargos trabalhistas. Assim, pleiteia a condenação da Requerida a: 1) que se abstenha de contratar empresas interpostas para a execução de sua atividade-fim, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 por trabalhador contratado; b) proceder, no prazo de 270 dias, a substituição de todos os trabalhadores terceirizados por empregados públicos, devidamente concursados; c) pagar o valor de R$ 1.000.000,00 a título de reparação aos danos morais coletivos que teriam sido causados aos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores.
Em sua defesa, a Requerida afirma que a realização de "trabalho conjunto" por seus empregados e pelos empregados terceirizados é situação de extrema excepcionalidade, ocorrendo apenas em período "contingencial", em decorrência de término/início de contratos de terceirização. A Requerida historia, às fls. 295/7, como surgiu a terceirização de serviços e como a jurisprudência passou a se comportar diante do tema. Aduz, à fl. 298, que a SANEPAR tem como objeto social fornecer água tratada e realizar serviços de coleta, tratamento e disposição de esgotos e resíduos sólidos urbanos para toda a apopulação do Paraná e que, para tanto, está estruturada por meio de diversos processos denominados "processos fim" e "processos de suporte (meio)", definindo estes como os processos que visam dar suporte e sustentabilidade ao processo fim, tais como, atividades relacionadas a projetos, obras, manutenção de redes, manutenção eletromecânica, desenvolvimento operacional. Sustenta que o core business da SANEPAR não é a elaboração de projetos, construção de obras ou manutenção de redes, mas sim o fornecimento de água tratada e a coleta, tratamento e disposição final do esgoto, a fim de contribuir com a saúde pública e a melhoria da qualidade de vida da população paranaense. Afirma, ainda, que "os empregados diretos da ré têm a função de vistoriar, acompanhar e fiscalizar as atividades desenvolvidas pelas empresas terceirizadas" (fl. 300, no alto).
Feitas estas colocações, passa-se à análise do tema, que se resume em definir o que é atividade-meio e o que é atividade-fim e se as atividades que a SANEPAR contrata com empresas "prestadoras", tais como a Kammer Konstrutora Ltda. (em vigor atualmente) podem ser objeto de terceirização.
No entender deste Juízo, a atividade de manutenção e reparos nas redes de água e esgoto não pode ser considerada atividade-meio, tratando-se, ao revés, de atividade típica do Estado, inserida até mesmo nas leis que culminaram com a criação da AGEPAR, posteriomente denominada SANEPAR (fl. 324). Leia-se, a propósito, o artigo 1º das Leis 4.684/63 (fls. 321/3) e 12.403/98 (fl. 325).
A matéria discutida nestes autos já é conhecida dos juízes do trabalho que atuam nas três Varas desta cidade, devido às inúmeras ações individuais que são ajuizadas, após o encerramento dos contratos mantidos com diversas empresas contratadas para a prestação dos serviços descritos na petição inicial.
O serviço executado pela SANEPAR é tipicamente público, pois sem saneamento básico a população não sobreviveria nas cidades e em qualquer aglomeramento de pessoas. É evidente que cabe ao poder público a atuação direta nas comunidades para instalar redes de água e esgoto, bem como para fazer a manutenção e os reparos nelas, quando necessário.
Ao decidir "terceirizar" tal atividade, a Requerida burla a lei, pois deixa de realizar concurso público, forma democrática para o acesso a cargos e empregos públicos, ambicionados por grande parte da população. Apenas para exemplificar, neste ano o TRT-9ª Região realizou concurso público para servidores, tendo havido mais de 80.000 inscritos, para cerca de uma centena de vagas. O mesmo acontece com todos os concursos públicos realizados em todo o país, aos quais acorrem pessoas de todas as idades, classes sociais, de praticamente todos os Estados da Federação, pela elementar razão de que existe desemprego e subemprego no país e esta é a forma eleita pelo constituinte para permitir o acesso aos cargos e empregos públicos.
A alegação defensiva de que os empregados da Requerida não exercem tais atividades não serve para afastar a irregularidade das terceirizações, já que empregados públicos deixam de ser admitidos nos quadros da SANEPAR para executar tarefas permanentes, ligadas a serviço tipicamente público, executado por empresa que faz parte da administração pública indireta. Apenas para exemplificar, desde que atuo nesta 2ª Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu (setembro/2001), lembro "de cabeça" de várias empresas contratadas pela SANEPAR para executar serviços terceirizados, como, por exemplo: Mercado, Ambiental, Construtora Rio Claro, Empasesa, Engrenagem, Guarasan e, atualmente, Kammer. O resultado de tais "intermediações" é sempre desastroso, desaguando inevitavelmente em condenações subsidiárias da Requerida e sempre trazendo prejuízos aos trabalhadores, que nunca sabem quem será seu próximo empregador, o que é decidido, em última análise, pela licitação feita pela SANEPAR.
Conforme afirma o Presidente da ANAMATRA, o juiz Luciano Athayde Andrade, em artigo publicado no Jornal do Brasil, edição de 1º.07.2010, denominado "Terceirização e Corrupção Eleitoral",
"na raiz do problema está a opção de se converter a prestação de serviço público por meio de preenchimento de cargos, mediante certame público, pela contratação de empresa prestadora de serviço. Ainda que haja razões a defender essa opção, a experiência tem mostrado que tal mecanismo não recruta profissionais preparados, além de se constituir porta aberta para a quebra do princípio da impessoalidade, com forte possibilidade de captação ilícita de votos em período eleitoral. Outro aspecto importante é perceber que - no que se refere ao meio ambiente psicológico de trabalho - o próprio terceirizado dá conta de seu caráter supletivo e precarizado dentro do sistema de trabalho de um dado órgão público. Nesse meio, dizer-se `terceirizado' (geralmente sem orgulho) é assumir algo transitório e desprestigiado, é se considerar menor que o outro".
É evidente que, fazendo concurso, não é possível escolher quem será admitido. Todavia, terceirizando o serviço, há a possibilidade de indicação deste ou daquele trabalhador. Ainda que a maioria das funções terceirizadas envolva serviços braçais, há pelo menos uma função de gerente, conforme demonstra o documento de fl. 142.
Por outro lado, como admite a Requerida, o comando dos trabalhos é feito por seus empregados, o que implica subordinação dos terceirizados à "chefia" da SANEPAR, ficando caracterizado o principal elemento da relação de emprego, que a distingue de outras relações jurídicas, semelhantes ou afins. No entender deste Juízo, haveria espaço para o reconhecimento da existência de vínculo empregatício diretamente com a SANEPAR. Contudo, nas instâncias superiores este entendimento não prevalece, face ao teor das Súmulas 363 e 331, item II, do TST. Terceirizando o serviço, é claro que a Requerida apenas transfere sua responsabilidade (em relação aos empregados "terceirizados") a uma empresa privada, repassando a esta todo o valor necessário para o pagamento de pessoal. Desobriga-se tão somente de figurar como empregadora, já que não poderia contratar em afronta ao artigo 37 da CF/88.
Quanto à subordinação mencionada no parágrafo anterior, leia-se o que afirma a Ré à fl. 300, no alto: "os empregados diretos da ré têm a função de vistoriar, acompanhar e fiscalizar as atividades desenvolvidas pelas empresas terceirizadas" (negritou-se). Ora, as atividades não são "desenvolvidas pelas empresas terceirizadas", mas sim executadas pelos empregados das empresas terceirizadas e segundo parâmetros previamente estabelecidos pela SANEPAR, o que é incontroverso. A diferença semântica das duas expressões negritadas é significativa e reveladora do traço de subordinação existente entre quem superviosiona e quem executa o trabalho.
Aliás, é curioso notar que a Ré admite que os seus empregados, em situação de "contingência" executam as tarefas que são terceirizadas em épocas "normais". Esta afirmação parece sugerir que existe mão-de-obra ociosa na SANEPAR, que possui, em seus quadros, pessoas que podem e sabem executar o serviço repassado às empresas terceirizadas.
Por mais que a Requerida realize licitações para contratar a empresa "prestadora", nunca resolve o problema, pois continua repassando a terceiros tarefas que deveriam ser executadas por empregados públicos, assegurando-lhes os mesmos direitos que possuem os outros, admitidos pela via que a Constituição Federal estabelece, de forma cogente.
Como o saneamento básico caracteriza-se como atividade permanente e essencial do poder público, sua execução não pode ser livremente repassada a terceiros.
Observa-se que a contratante determina exatamente como o serviço deve ser prestado, especificando, no contrato, que "as quantidades e parâmetros qualitativos são definidos pela contratante, de acordo com a tecnologia, filosofia e metodologia do Sistema Gerencial de Manutenção - SGM, desenvolvido pela SANEPAR" (cláusula primeira, fl. 224, por exemplo). Ora, não existe nenhuma liberdade na execução dos serviços, os quais não são especializados o suficiente para justificar uma terceirização. Se se tratasse de serviços altamente qualificados, talvez fosse o caso de contratar empresa especializada, mas o que ocorre é exatamente o inverso.
Nota-se, também, que o preço contratado é significativo: R$ 6.902.000,00 (seis milhões, novecentos e dois mil reais), conforme consta à fl. 225, para serviço que seria executado no prazo de 730 dias, o que resulta em R$ 9.454,79 por dia para a contratada!
No caso sub judice, a ingerência da Requerida nas atividades dos trabalhadores, independentemente de quem figure como empregador, está evidenciada. Se o reconhecimento de vínculo empregatício diretamente com a Requerida é improvável, em última instância, face aos termos da Súmula 363-TST, é certa a condenação subsidiária da SANEPAR em ações trabalhistas, tanto no passado quanto no futuro. Assim sendo, há manifesto prejuízo ao ente público.
Aliás, a experiência mostra que é bastante comum a empresa terceirizada simplesmente "desaparecer" após o encerramento da obra contratada, sem deixar rastro e sem ao menos comparecer em Juízo para defender-se. A revelia da empregadora direta traz mais prejuízos ainda à tomadora, que acaba condenada subsidiarimente por valores muito maiores do que os devidos, caso o processo fosse instruído com regular contestação e produção de prova documental que nunca está na posse da tomadora, especialmente os cartões-ponto dos empregados da prestadora.
O que se altera, repetidamente, para as pessoas que prestam serviços como "terceirizados" da SANEPAR, é o empregador, mas os serviços prestados são sempre os mesmos. Observe-se que o Preposto confessou que "a empresa que ganha uma licitação aproveita trabalhadores que antes prestavam serviços para a empresa prestadora anterior (item 2, fl. 627) e que a SANEPAR fica com uma listagem com o nome dos trabalhadores que prestam serviços para a tomadora (item 3). Aliás, no final dos contratos, lamentavelmente, deságuam dezenas de ações na Justiça do Trabalho, fato vivenciado diariamente por todos os juízes do trabalho do Brasil.
Observe-se, ainda, que a remuneração paga aos empregados "terceirizados" geralmente é inferior àquela assegurada aos empregados da SANEPAR, os quais evidentemente têm várias outras vantagens indiretas, como empregados públicos e até mesmo planos de saúde elitizados.
Normalmente a terceirização é adotada pelas empresas na busca de menores custos. Contudo, uma empresa da administração pública indireta não deveria ter esta prioridade. Em palestra proferida aos Juízes do Trabalho do Paraná no ano de 2009, sobre "Aspectos Polêmicos da Terceirização", o ministro do TST Guilherme Augusto Caputo Bastos afirma que a (inevitável) terceirização é instituto que se mostra
"como uma grande ferramenta de reestruturação administrativa e produtiva das organizações empresariais. Otimiza o funcionamento da empresa, repassando a terceiros especializados a responsabilidade pela execução de atividades que não integram seu escopo social.
"Não há negar que a busca do lucro é inerente à atividade empresarial - afinal, é o que move a engrenagem do regime capitalista em que vivemos -, sendo natural que, nessa busca, diante da brutal concorrência que enfrentam, as empresas tentem encontrar caminhos que levem a maior vantagem competitiva".
Ora, o Ministro se referia a empresas que têm que enfrentar concorrentes. O que dizer da Requerida, que atua como concessionária, sem nenhuma concorrência?
O Ministro mencionou substitutivo ao PL 4.302/98, que tramitava no Senado, prevendo a solidariedade da empresa contratante pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, o que minoraria o prejuízo dos empregados terceirizados, que têm que percorrer, muitas vezes, caminho árduo até obter o pagamento de suas verbas pela tomadora, após esgotadas as possibilidades de execução da devedora principal.
Nem se alegue que a realização de concurso "acarretaria a contratação de pessoal sem perfil para a função e com grau de instrução muito superior ao requisito de formação constante no edital do concuros. Em consequência, nessas condições normalmente é observado absenteísmo, empregados sem estímulo e alto índice de turn over (rotatividade pessoal)", conforme afirmado por advogada da SANEPAR, em peça encaminhada ao Autor desta ação, enquanto tramitava o Inquérito Civil 125/2008 (fls. 132/3). Repita-se que o concurso público é a forma moralizadora instituída pelo Constituinte para o ingresso no serviço público, sem espaço para que o administrador decida se deve ou não obedecer à norma constitucional. O documento mencionado, aliás (fls. 132/3) revela as verdadeiras intenções da Ré ao optar pela terceirização dos serviços e não pela execução por seus empregados.
O quadro de fl. 134 demonstra que a SANEPAR considera como "processos de suporte - meio" muitas outras atividades além daquelas que já "terceiriza", evidenciando que, no futuro, a terceirização atingirá várias outras áreas...
Às fls. 137/8 consta um documento no qual a SANEPAR reconhece que, por falta de "autorização do governo", não realizou concursos públicos desde 1992 até 2001, período no qual a deficiência de pessoal foi "suprida" por empregados de empresas terceirizadas! Vale dizer, naquela época, era incontroverso que os terceirizados supriam deficiências do quadro próprio e se ativivam em tarefas que deveriam ser executadas por empregados da SANEPAR.
O documento de fls. 141/2 demonstra que a Konstrutora Kammer coloca à disposição da SANEPAR muito mais do que serventes e oficiais, disponibilizando inclusive um gerente, um monitor e uma zeladora! Repita-se, também, que em fiscalização realizada a pedido do MPT, foram constatadas irregularidades na empresa prestadora (fls. 204/5), objeto de autos de infração (fls. 206/9).
Examinando o contrato de fls. 224/30, chega-se a constatar a presença do elemento pessoalidade na execução dos serviços contratados, pois a SANEPAR exige que conste, nas medições mensais, os nomes dos profissionais que efetivamente atuam nos serviços como representantes da CONTRATADA, com a finalidade de registrar os períodos de atuação desses profissionais (cláusula sétima, parágrafo primeiro, negritou-se). Ora, os "períodos de atuação" não seriam os horários ou dias trabalhados pelos empregados da empresa terceirizada? Por que este dado seria controlado pela SANEPAR se lhe interessa apenas o resultado do serviço? Curiosamente, estes documentos nunca são apresentados em Juízo nas ações trabalhistas movidas por empregados das prestadoras, nem mesmo quando a empregadora é revel e nenhum documento é apresentado para comprovar a jornada cumprida.
Constata-se, também, que a SANEPAR possui, em seus quadros, a função de Auxiliar de Serviços Gerais I, cujas "atividades" aproximam-se muito daquelas executadas pelos empregados terceirizados. Leia-se, a propósito, o quadro de "atividades" que consta, por exemplo, no item 5 do edital de concurso 01/2006 (fls. 460/1).
Outra forma de ingerência constatada na prestação dos serviços foi confessada pelo Preposto. Disse ele (item 7, fl. 527), que a SANEPAR, atualmente, fiscaliza se as verbas rescisórias dos empregados da empresa prestadora estão sendo pagas. Certamente a fiscalização decorre das inúmeras condenações subsidiárias em ações trabalhistas, para minorar os prejuízos. Confessou o Preposto, também, que a SANEPAR fixa o tempo médio e o modo da execução dos serviços (item 17), ratificando que os empregados da empresa prestadora sujeitam-se a ordens expressas da própria SANEPAR. Relatou o Preposto que, a cada nova empresa contratada, a SANEPAR dá treinamento a todos os empregados da prestadora, tanto os novos quanto aqueles oriundos da prestadora anterior (item 18). Disse, ainda, o Preposto, que, atendendo a queixas dos trabalhadores (ou seja, agindo como verdadeira empregadora), a SANEPAR retém as últimas faturas da empresa prestadora e efetua o pagamento "direto" de verbas rescisórias (itens 20 a 23). Por último, mas não menos importante, o Preposto confessou que chega a haver períodos de trinta a sessenta dias, entre a substituição de uma por outra prestadora, em que os empregados da SANEPAR executam o serviço que normalmente é terceirizado (item 25), admitindo que "os empregados das terceirizadas recebem menos do que os da SANEPAR que eventualmente exercem o mesmo serviço" (item 29).
No depoimento da testemunha Denis Amaro dos Santos (fls. 528/9) também constam importantes declarações. Por exemplo, disse ele que antes de ser concursado já prestava serviços de digitação à SANEPAR, por intermédio da empresa Digidata e que estes serviços, hoje, são executados por empregados concursados (itens 3 e 4); que a empresa Kammer tem cerca de 53 empregados, acreditando que a metade deles trabalhava anteriormente para a Guarasan, empresa que prestava o mesmo serviço atualmente prestado pela Kammer, mas não soube informar como ocorre a contratação dos mesmos empregados pela nova prestadora. Relatou que o empregado mais antigo que conhece, que vem prestando serviços às sucessivas empresas contratadas pela Sanepar o faz há sete anos! Observe-se que é possível que esta pessoa venha trabalhando sem gozar todas as férias, devido à troca de empregadores a cada dois/três anos. A testemunha descreveu as tarefas executadas pelos empregados das prestadoras: abertura e fechamento de valas, conserto de ramais de água e esgoto, assentamento de tubulações, execução de ligação de água e esgoto, todas ligadas à atividade-fim da SANEPAR. A testemunha narrou que já aconteceu de os empregados da SANEPAR terem executado tais serviços por três meses, entre o término de um contrato e o início de outro, de julho a setembro de 2005, antes da contratação da Guarasan, quando todos os empregados da prestadora saíram, e relatou que as pessoas que exercem a função de agente técnico de campo, em situação normal, quando há prestadora com empregados trabalhando, executam a fiscalização do serviço dos empregados da prestadora. Disse acreditar que em Foz do Iguaçu existem vinte ou mais pessoas com a função de agente técnico de campo, na área do depoente, ou seja, fiscalizando os terceirizados. Vale dizer, já que a Kammer possui 53 empregados (item 6 do depoimento da testemunha), cada dois deles tem um empregado da SANEPAR fiscalizando seu serviço! Além disso, a testemunha exerce a função de gestor da execução do contrato de prestação de serviços de manutenção de redes (item 5). Disse o Sr. Denis que mais umas dez pessoas com a função de agente técnico administrativo fiscalizam a execução do contrato de terceirização, aí compreendido o tempo médio e o modo de execução das tarefas! Parece haver mais pessoas no controle e na fiscalização do serviço do que na execução, o que contraria a lógica.
Ao que tudo indica, a SANEPAR entende que seus empregados somente podem exercer tarefas mais "elitizadas" e que aquelas que exigem serviços braçais devem ser executadas por terceirizados. Não é este, contudo, o sentido da terceirização, a qual é possível apenas em atividade-meio. Se a atividade-fim envolve serviços braçais, a terceirização deles é ilícita.
Relatou a testemunha que a ampliação do sistema de esgoto sanitário de Foz do Iguaçu também faz parte do serviço executado pela empresa terceirizada Kammer, assim como a substituição de hidrômetros, a implementação de ligações de águas em edificações novas e os cortes no abastecimento de águas. Se estas não são atividades-fins da SANEPAR, quais seriam?
Segundo afirmou a testemunha, os empregados terceirizados são treinados diretamente por instrutores da SANEPAR (itens 28 e 29), agindo, portanto, como verdadeiros superiores hierárquicos. Na verdade, parece que existe exagero na quantidade de empregados da SANEPAR que fiscalizam e treinam os terceirizados e que poderiam executar diretamente o serviço, como o fazem quando é rescindido o contrato com uma empresa terceirizada, até a contratação de outra.
Quando foi determinado que a Requerida informasse quais foram as empresas para as quais foi terceirizado o serviço de manutenção de redes nos últimos dez anos, juntando seus contratos sociais (fl. 529, itens "a" e "d"), a Reclamada, na petição de fls. 533 não mencionou o nome das empresas, apenas trazendo aos autos a documentação de fls. 534/5 e admitindo que "não dispõe dos instrumentos de contrato social e respectivas alterações das empresas" (fl. 533), os quais poderiam ser obtidos na JUCEPAR. Curiosamente, foram juntados contratos firmados com as empresas Rio Claro, Engrenagem, Guarasan e Kammer, mas não foram apresentados os de uma prestadora - a EMPASESA, a qual também prestou serviços à SANEPAR, tendo sido mencionada, por exemplo, nos ofícios de fls. 47/52.
Aliás, é interessante notar que a SANEPAR, sistematicamente condenada subsidiariamente em ações trabalhistas, não tome a cautela de manter, em seus arquivos, os contratos sociais que revelam dados como endereços e número do CPF dos sócios, os quais poderiam ser úteis antes de as execuções trabalhistas voltarem-se contra a tomadora.
A empresa ENGRENAGEM tem, como um de seus sócios, o Sr. LARI FRANCISCO OLTRAMARI (fl. 667). Posteriormente, ingressou SANDRA INÊS PRANDO OLTRAMARI (fl. 676), que parece ser esposa de Lari (mesmo endereço, fl. 676). A empresa, que atuava apenas na construção civil, em 2001 amplia seu ramo de atividade também para "saneamentos" (fl. 686). Em 1999 os dois sócios já haviam criado a EMPASESA (fl. 700), que atuava praticamente no mesmo ramo. Ambas as empresas da família Oltramari foram contratadas pela SANEPAR, não se sabendo a razão pela qual o contrato com a EMPASESA foi omitido. Talvez o fato seja irrelevante, mas estas duas empresas causaram grandes prejuízos à SANEPAR, em sede de condenações subsidiárias em ações trabalhistas movidas por empregados das empresas prestadoras, a maioria delas julgadas à revelia da empregadora.
Toda esta digressão foi feita não apenas para demonstrar que os serviços terceirizados pela SANEPAR, objetos desta ação, não podem ser considerados atividade-meio, mas também que a terceirização traz malefícios à população em geral. Um dos prejuízos é experimentado pelos trabalhadores que não podem se habilitar, em regulares concursos públicos, a trabalhar diretamente para a SANEPAR, como empregados da empresa pública e gozar dos benefícios advindos desta condição; outro é a responsabilização da SANEPAR, em dezenas/centenas de ações trabalhistas, na condição de responsável subsidiária pelo adimplemento de verbas trabalhistas dos empregados das empresas para as quais terceiriza serviços que deveria executar diretamente. Assim, acaba "pagando a conta" duas vezes: a primeira, pelo serviço contratatado, durante a sua execução e, a segunda, nas condenações judiciais. Tratando-se, a SANEPAR, de empresa que faz parte da administração pública indireta e, como tal, arrecada dinheiro público, advindo do serviço de utilidade pública que presta, não é possível que contine repetindo a malfadada terceirização, pois a experiência mostra que as empresas prestadoras, pelo menos na seara trabalhista, lhe trazem consideráveis prejuízos de ordem financeira. Não se tem noticia do ajuizamento de ações regressivas e, se elas existem, se tiveram sucesso.
Repita-se que os serviços de ligação de água, corte e religação estão diretamente ligados à atividade-fim da SANEPAR. A esta conclusão também chegou a Exma. Juíza Rita Volpato Bischoff, que atua no TRT-4ª Região, a qual, julgando ação civil pública semelhante à presente, frisou que:
"De resto, ainda que não apontada no presente feito nenhuma situação fática de inadimplemento por parte das empresas prestadoras de serviços junto aos seus empregados, tampouco de inexiquibilidade dos serviços, são judiciosos os argumentos lançados pelo Ministério Público do Trabalho, no que concerne ao risco que a terceirização dos serviços provoca, de desproteção do trabalhador e precarização na Administração Pública, como fartamente se tem presenciado no âmbito do Judiciário Trabalhista, pelo grande número de reclamatórias trabalhistas em que o trabalhador bate às portas do Judiciário visando o adimplido de salários atrasados e outras verbas trabalhistas, por parte de seu empregador, em situações nas quais, literalmente, da noite para o dia, a empresa prestadora de serviços - regularmente licitada - fecha as portas e desaparece, deixando para trás débitos trabalhistas que, ao final e ao cabo, são adimplidos pelo tomador dos serviços". (sentença proferia na ação civil pública 120500-87.2009.5.04.0020).
E assim concluiu:
"ANTE O EXPOSTO,
decido, nos termos da fundamentação: preliminarmente, rejeitar as prefaciais de extinção do feito sem resolução de mérito por falta de interesse de agir e por impossibilidade jurídica do pedido; no mérito, JULGAR PROCEDENTE EM PARTE a Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, com assistência litisconsorcial do SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA PURIFICAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA DO RIO GRANDE DO SUL para, confirmando a tutela antecipatória deferida, DETERMINAR que a ré, COMPANHIA RIOGRANDENSE DE SANEAMENTO - CORSAN, passe a utilizar, no prazo de seis meses, a contar de 14 de abril de 2010, seus próprios empregados, admitidos mediante concurso público, para a execução dos serviços de ligação, corte e religação de água, aceitando-se a utilização de trabalhadores terceirizados para tais serviços unicamente de empresas prestadoras de serviços com contrato em vigor e somente até o encerramento dos respectivos contratos, vedada a sua prorrogação, aditamento ou renovação, bem como novas contratações do gênero. Incidirá a ré na pena pecuniária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), atualizável e reversível ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador, por dia e por trabalhador irregular, em caso de descumprimento da presente ordem judicial."
Observe-se que, no caso da empresa gaúcha CORSAN, a Juíza frisou que não havia sido apontada "nenhuma situação fática de inadimplemento, por parte das empresas prestadoras de serviços junto aos seus empregados", não sendo este o caso da SANEPAR, que vem arcando sistematicamente com condenações subsidiárias.
Houve deferimento de antecipação de tutela na ação mencionada, questionada por mandado de segurança (ACÓRDÃO 0012301-94.2010.5.04.0000 MS), o qual confirmou a decisão do Juízo de primeiro grau, nos seguintes termos:
"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO QUE CONCEDE LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇÃO EM ATIVIDADE-FIM. A probabilidade de êxito da tese inicial autoriza a concessão parcial da liminar, para vedar a celebração de novos contratos e renovação daqueles já firmados, com empresas prestadoras de serviços, para atividades de corte, ligação e religação de água. Enquanto se discute a possibilidade de terceirização em tais atividades - compreendidas na descrição de cargos que integram o quadro de carreira da sociedade de economia mista do Estado - é razoável a manutenção dos contratos que se encontram em curso, de modo a evitar situação de irreversibilidade. Precedentes da SDI. Segurança denegada.
(...)
ISTO POSTO:
A decisão que deferiu o pedido de liminar, nos autos da ação civil pública subjacente ao presente mandado de segurança merece ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Com efeito, não há como sustentar, pelo menos em sede de liminar, que as atividades de corte, ligação e religação de água não sejam atividades-fim da impetrante. Nesse aspecto, cumpre atentar para o próprio plano de cargos e salários, que contempla cargos específicos para tais funções. O juízo faz remissão à defesa, na parte em que refere expressamente que tais serviços são essenciais e indelegáveis, e que a atividade-fim da Companhia pode ser resumida em realizar o tratamento e distribuição da água, bem como a coleta e o tratamento de esgoto (fls. 195 e 195, verso).
O Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 2002, por sua vez, não caracteriza transação oponível pela parte, até mesmo em virtude de sua natureza indisponível.
De outro lado, a decisão inquinada atenta para a situação dos trabalhadores que estão com seus contratos em plena execução, e autoriza a sua manutenção até o termo final dos ajustes firmados entre a impetrante e as prestadoras de serviços.
(...)
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por maioria de votos, vencido o Exmo. Desembargador Emílio Papaléo Zin, denegar a segurança. Custas de R$ 20,00 (vinte reais), pela impetrante, calculadas sobre o valor atribuído à causa na inicial de R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Intimem-se.
Porto Alegre, 18 de junho de 2010.
MARIA INÊS CUNHA DORNELLES
DESEMBARGADORA-RELATORA"


Restou devidamente evidenciada a ilicitude na terceirização de serviços questionada nesta ação, não relacionados a atividade-meio (como poderiam ser classificadas a segurança e os serviços de limpeza e conservação, por exemplo).
Considerando que a terceirização de serviços é exceção, sendo regra a admissão por concurso, no caso de pessoas jurídicas de direito público, e tendo em vista as inúmeras irregularidades apontadas na terceirização, causando sérios prejuízos à SANEPAR, empresa que faz parte da administração pública indireta, acolhe-se parcialmente o pedido formulado na inicial, condenando-se a Requerida a abster-se de contratar empresas interpostas para executar serviços de manutenção e de reparos nas redes de água e esgoto, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador contratado, cuja destinação reverterá em prol de entidades filantrópicas, sem fins lucrativos, a critério do Juízo e do Ministério Público do Trabalho.
Condena-se a Requerida, ainda, a proceder à substituição de todos os trabalhadores terceirizados, contratados pela KAMMER KONSTRUTORA LTDA., por empregados públicos, aprovados em regular concurso de provas e títulos, conforme determina o art. 37, II e § 2º, da Constituição Federal, o qual deverá ser realizado no prazo de 270 dias.
Por fim, condena-se Requerida ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais) a título de indenização por danos morais coletivos causados aos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, pelas razões exaustivamente expostas nesta sentença. O valor arbitrado será atualizado pelos índices aplicáveis aos débitos trabalhistas, podendo ser transformado em obrigação de fazer ou de dar a entidades filantrópicas sem fins lucrativos localizadas nos limites da circunscrição judiciária deste Juízo, a critério do Juízo e do Ministério Público do Trabalho.


2- Providência necessária

Encaminhe-se, por ofício, cópia desta sentença ao Ministério do Trabalho, para os fins previstos no item 3 da petição inicial (fl. 34).
ANTE O EXPOSTO, rejeitam-se as preliminares arguidas pela Requerida e, no mérito, julga-se PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face da COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ - SANEPAR para, observados os termos da fundamentação, condenar a Requerida a:
a) abster-se de contratar empresas interpostas para executar serviços de manutenção e de reparos nas redes de água e esgoto, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por trabalhador contratado, cuja destinação reverterá em prol de entidades filantrópicas, sem fins lucrativos, a critério do Juízo e do Ministério Público do Trabalho;
b) proceder à substituição de todos os trabalhadores terceirizados, contratados pela KAMMER KONSTRUTORA LTDA., por empregados públicos, aprovados em regular concurso de provas e títulos (conforme determina o art. 37, II e § 2º, da Constituição Federal), o qual deverá ser realizado no prazo de 270 dias contados a partir da publicação desta sentença;
c) efetuar o pagamento de R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais) a título de indenização por danos morais coletivos causados aos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores
Custas de R$ 20.000,00 sobre o valor da causa (R$ 1.000.000,00), pela Requerida.

Cientes as partes.
Nada mais.


NEIDE CONSOLATA FOLADOR
Juíza do Trabalho

 

CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
TRT (Tribunal Regional do Trabalho)
TST (Tribunal Superior do Trabalho)
MTE (Ministério do Trabalho e Emprego)

 

 

 

 

 

 

 

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